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quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Deão Boavida


Há dois dias, falei aqui de D. Jorge da Costa, O Cardeal de Alpedrinha, figura eminente da História de Portugal, natural de Alpedrinha. Todavia, esta terra, vizinha da minha aldeia natal, viu nascer outra figura notável: o Cónego Dr. António José Boavida, mais conhecido por Deão Boavida.

É esta figura, importante, sobretudo, no desenvolvimento da sua terra e das suas gentes, que eu gostaria de dar, aqui, a conhecer, através do testemunho de Joaquim Candeias da Silva, Doutor em Letras, professor aposentado, da Academia Portuguesa da História. 

Trata-se de um texto com o título “O Deão Boavida – Uma outra estrela da Beira que se extinguiu há cem anos”, aquando do seu centenário, publicado no “Jornal do Fundão”, de 19/8/2010.


«O Deão Boavida, de Alpedrinha – Uma outra estrela da Beira que se extinguiu há 100 anos

Depois da morte do celebérrimo e omnipresente Cardeal de Alpedrinha, cujo centenário (o quinto) se comemorou por cá há dois anos com alguma pompa e circunstância, chegou agora a vez de lembrarmos outra figura notável destas bandas: o Cónego Dr. António José Boavida, mais conhecido por Deão Boavida. É certo que não chegou aos píncaros da hierarquia nem da fama, não competiu com poderes instalados, não acumulou prebendas nem fortuna, mas teve sobre estas terras e gentes uma influência positiva enorme, muito contribuindo para o seu desenvolvimento.

Já o destacara Salvado Mota, nos seus “Alpetrinienses Ilustres” (1929), obra valiosa em que elencou largas dezenas de figuras distintas, verdadeira constelação de pequenas estrelas que nos diversos ramos do saber se foram libertando da lei da morte... Mas, se ao nível da micro-história, da história imediata e da factologia, o biógrafo e historiador de Alpedrinha captou bem a realidade, faltou o longo alcance, a visão panorâmica, porque nesta a dimensão humana, social, cultural e mesmo política do Deão ultrapassou de longe a coutada paroquial ao sul da Gardunha. E direi mesmo – já o escrevi noutra ocasião – que já tarda e nos faz falta um memorial, um estudo biográfico tão completo quanto possível deste Homem e deste Português de excepção. 

Em traços muito sintéticos, foi este o seu percurso. Depois do nascimento (1838) e da infância na terra do Cardeal, no seio de uma família numerosa e abastada, rumou a Coimbra (1854) em cuja universidade se formou com brilhantismo em Teologia (1860), logo se ordenando de presbítero. E depressa o seu nome começou a impor-se como espírito culto e orador sacro. O mote para o estrelato tê-lo-á dado ainda em Alpedrinha, ao fundar e dirigir um semanário que depressa galgou fronteiras e que significativamente intitulou de “Estrela da Beira” (1864-1868), se bem que já antes tivesse realizado acções de relevo. Em 1863, por exemplo, estando em Castelo Branco, foi ele o escolhido para pregar na sé o sermão gratulatório pelo nascimento do Infante D. Carlos (futuro rei). Foi depois comissário dos Estudos e reitor do Liceu de Castelo Branco. A partir daí foi um contínuo fluir de sucessos... 

Teve, entre outros cargos e títulos, os de deputado (em 1870 e legislaturas seguintes, por diversos círculos), par do Reino, vigário capitular e governador do bispado de Beja (1871-83), desembargador da cúria patriarcal, cónego, arcipreste e deão (i.é, presidente do cabido) da sé de Lisboa. Mas terá sido como Superior do Real Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim (1885-1910) que o seu génio e a sua acção ímpar mais se fizeram respeitar e admirar, deixando para sempre marcas indeléveis na instituição. Conseguiu aumentar os recursos financeiros, elevar para mais do dobro o número de alunos e as ordenações, bem como o envio de missionários para todas as colónias portuguesas, enfim, dar visibilidade externa e fama ao Colégio, ao mesmo tempo que internamente procurava dar um carácter mais experimental e actualizado ao ensino praticado. Conforme registava a revista Annaes das Missões (I, 1889), também por ele fundada, estava seguro de que «a fé não exclui a ciência, que o dogma não contraria o progresso»... 

Na secular existência daquele seminário, os 25 anos da sua direcção foram, sem dúvida, a fase de maior brilho e projecção. Foram aos milhares os alunos que de todo o país, e especialmente da Beira Baixa, acorreram a Cernache; e não só em vida do Deão, mas também depois da sua morte e mesmo após a laicização do seminário com a instauração da República ou a erecção do seminário das Missões de Tomar (1922), que foi uma via supletiva de Cernache. E uma prova inequívoca dessa força revitalizadora, dessa chama imensa que advinha dos bons tempos do Deão, pode ver-se na origem geográfica dos primeiros seminaristas de Tomar (1922-1930): 61% dos matriculados eram do distrito de Castelo Branco, aquele a que pertencia Cernache; os seis concelhos nacionais que deram mais alunos eram deste distrito, a saber, Fundão (42), Proença e Sertã (35 cada), Covilhã (30), Idanha (29) e Castelo Branco (26). E o Fundão à cabeça, bem destacado, porquê? A meu ver, pela fama gerada pelo Dr. Boavida e pelo seu círculo de influências. 

Seria muito interessante analisar a listagem de matrículas, dos alunos deste concelho ou dos concelhos vizinhos que por aquelas casas de formação foram passando. As listas de Tomar estão publicadas; as de Cernache do Bonjardim não, mas folheei-as e fiquei admirado com o que vi. A esmagadora maioria dos alunos (mais de 90%) ficaria pelo caminho, seguindo outros destinos que não a vida religiosa. Mas detectamos entre eles muitos nomes conhecidos que singraram nas Letras e noutros ramos do Saber, gente de origem humilde das aldeias que de outra forma nunca teria estudado ou experimentado a abertura de novos horizontes, alternativos ao rame-rame da vida rural... E esse terá sido, quanto a mim, um dos principais méritos do Dr. António José Boavida, de Alpedrinha, que não tem sido posto em devido relevo: o de ter aberto a inúmeros conterrâneos ou co-provincianos janelas de oportunidade para o futuro. 

A dada altura, houve um escriba local que se queixou dele, porque sendo um alpedrinense (sic) tão influente não tinha conseguido restaurar o concelho de Alpedrinha!... Porém, não é minimamente verdade que ele se tenha alheado do progresso da sua terra. Pelo contrário, tanto esta como o concelho lhe ficaram a dever imenso (ao invés do famoso Cardeal, de quem não ficou memória de especial afeição à terra natal). Da sua acção política, resultaram, entre outros benefícios, a passagem por Alpedrinha da Estrada Real (Castelo Branco-Guarda), a ampliação do hospital local, o ensino primário feminino, obras nos banhos do Monte da Touca, a requalificação da Capela do Leão e da Casa da Comenda... E, por tudo o que fez, conforme alguém escreveu em 1905 a propósito do superior do Colégio das Missões e que o referido Salvado Mota aproveitou, o Deão Boavida «foi um espírito superior, alevantado e generoso, que no meio egoísta e estéril em que vivemos se impôs à admiração pública, reconhecendo-se nele um cidadão benemérito, que soube honrar o seu país com os mais notáveis e assinalados serviços.»

Segundo o seu assento de óbito, lavrado pelo vigário José António Proença e existente no Registo Civil do Fundão, faleceu na sua terra natal, pelas 11,30h da manhã do dia 18 de Agosto de 1910, na sua casa da Rua da Maravilha, com todos os sacramentos e sem testamento, indo a sepultar no cemitério público no dia seguinte. Foi, exactamente, há 100 anos. A Beira perdia uma estrela. Mas sob os céus de Portugal, e em particular da Gardunha, ficava para a posteridade um nome e uma obra, que a República próxima jamais conseguiria ofuscar. 


[Foto] – O Deão Boavida, ainda novo – Foi orador e escritor, deputado e par do reino, cónego, arcipreste, deão da sé patriarcal de Lisboa, e um modelar “superior” do Real Colégio das Missões.» 

2 comentários:

  1. Li com muito interesse esta história do Deão Boavida, que eu desconhecia totalmente. Não seria ele da tua família? Pelo nome, acho muito provável que tenhas um ascendente ilustre.

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  2. Confesso que não conhecia a história do Deão Boavida, de Alpedrinha. O Professor e amigo Joaquim Candeias da Silva, meu conterrâneo, especialista em genealogia, já meu deu umas dicas. Hoje já conheço mais sobre os meus ascendentes do que há um ano. Os “Boavidas”, é hoje reconhecidamente aceite, provêm de um tronco comum e giram todos pela Orca, Alpedrinha e Vale-de-Prazeres, todas freguesias do Fundão, província da Beira Baixa.

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