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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Diálogos Poéticos: Camões & Pessoa

Eis aqui se descobre a nobre Espanha, 
Como cabeça ali de Europa toda,
Em cujo senhorio o glória estranha
Muitas voltas tem dado a fatal roda;
Mas nunca poderá, com força ou manha,
A fortuna inquieta pôr-lhe noda,
Que lhe não tire o esforço e ousadia
Dos belicosos peitos que em si cria.

Com Tingitânia entesta, e ali parece
Que quer fechar o mar Mediterrano,
Onde o sabido Estreito se enobrece
Co'o extremo trabalho do Tebano.
Com nações diferentes se engrandece,
Cercadas com as ondas do Oceano;
Todas de tal nobreza e tal valor,
Que qualquer delas cuida que é melhor.

Tem o Tarragonês, que se fez claro
Sujeitando Parténope inquieta;
O Navarro, as Astúrias, que reparo
Já foram contra a gente Mahometa;
Tem o Galego cauto, e o grande e raro
Castelhano, a quem fez o seu Planeta
Restituidor de Espanha e senhor dela,
Bétis, Lião, Granada, com Castela.

Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente
África estar quieto o não consente.

Esta é a ditosa pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os Íncolas primeiros

Luís de Camões, “Os Lusíadas", Canto III, estrofes 17-21

















A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal


Fernando Pessoa, “Mensagem”.

É curiosa a forma antropomórfica a que os dois poetas recorrem para falar da Europa. Simbolicamente, põem-na a olhar em determinada direcção. A dúvida que se coloca é se eles olham na mesma direcção.

Pessoa devia conhecer bem estes versos do Camões. Embora não se saiba quando foi escrito o poema "O dos Castelos”, assim se chama, ele só ficou conhecido em 1934, quando Pessoa o escolheu para encabeçar o conjunto de poemas históricos a que veio a dar o nome de Mensagem.

Os versos do Pessoa são bem claros. É caso para dizer que ele, logo no primeiro poema da Mensagem, diz ao que vem. O papel de Portugal na Europa, O Quinto Império. 

A diferença que eu supostamente encontro entre os dois é a seguinte. Camões está concentrado, quase exclusivamente diria, na exaltação dos feitos dos portugueses no Oriente, portanto, virado a Sul. Pessoa, falando do que os portugueses foram capazes, constata que Portugal está num impasse, jaz (tal como a Europa). Todavia, há dentro dele forças que o podem tornar a cabeça de um novo império, O Quinto Império. Não através das armas, como antigamente, mas através da Cultura e da Língua. Camões fala-nos só do passado. Pessoa fala do passado a pensar no futuro. E pensando no futuro, mais virado para Ocidente.

Aliás, penso que a terceira estrofe do poema do Pessoa diz tudo: “Fita, com olhar esfíngico e fatal/o Ocidente, futuro do passado”. Olha para o Ocidente e constrói no futuro o passado (não o presente) que já  foi.

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