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domingo, 20 de abril de 2014

Boas festas! Aleluia!


S. Martinho de Anta, 8 de Abril de 1950

Aleluia! O repicar dos sinos de dezenas de freguesias e o estralejar de foguetes de todo o distrito chegam ao cimo destas serras onde descanso. É um alvoroço que se vai alastrando, alado e fecundante como o pólen que passa em turbilhões, e que põe em comunicação telepática o mundo vegetal.
- Boas festas! Aleluia!

Não acontece nada, nenhum cadáver acorda, as videiras e os castanheiros continuam a abrolhar no seu ritmo normal. Contudo, caem bem na paisagem estas saudações de regozijo, entrelaçadas de sons contentes, que a pintam de não sei que esperança.

A vida precisa de vez em quando de sobressaltos assim, simbólicos e promissores. Periodicamente atada como um feixe por certos vincilhos tradicionais e optimistas, ficam mais fraternos os seus vimes, mais unidos os seus nervos. Aleluia! E a palavra, em si, tem já um magnetismo de aliciação. Justifica a primavera que vem, promete flores e frutos.

Cristo, no céu, talvez se ria. Mas necessitamos e necessitaremos ainda por muito tempo da sua paixão, morte e ressurreição... anuais.

E um maravilhoso pretexto para comer amêndoas, beber vinho fino, e consentir que um milagre abstracto desfaça o nó concreto do cepticismo estéril e nauseante que nos aperta o coração.

Miguel Torga, in Diário V

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