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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A (ilustre) Casa Grande de Romarigães


Acabei de ler "A Casa Grande de Romarigães", de Aquilino Ribeiro (1885-1963), livro que ocupa um lugar de relevo na extensa e rica obra do escritor. Leitura calma, até porque temos de, com frequência, recorrer ao Dicionário, que deve estar sempre por perto. Foi já Miguel Esteves Cardoso que disse "ler os livros de Aquilino Ribeiro é viver a nossa língua como se tivesse nascido ontem". É mesmo verdade. Mais de cem palavras anotadas!

Um romance? Uma monografia? Uma história romanceada? Uma novela? O escritor confessa que um confrade lhe sentenciou: «Mas afinal o que V. fez foi um romance...» O escritor confessa: «se me saiu um romance, aconteceu-me a mesma coisa que um triste e tosco carpinteiro dos meus sítios...estava a fazer um gamelo para o cão e saiu-lhe uma viola». O escritor resolveu o problema acrescentando ao putativo romance o subtítulo " Crónica romanceada".

Aquilino conta-nos a história de sucessivas gerações que habitaram a Casa Grande: uns, engrandecendo-a; outros, apoucando-a. Uma história que começa no tempo dos Filipes.


O autor conta a participação da família que habita esta Casa Grande desde o século XVII, narrando a sua participação em diversos episódios da História de Portugal, em particular, na Guerra da Independência (1640-1668), nas Invasões Francesas (1807-1810) e na Guerra Civil (1832-1834). Um fidalgo da Casa Grande, Luís Antas, teve uma participação activa ao lado do Bragança ("nome fermoso é rey natural", como escreveu Frei Luís de Sousa), fazendo uma incursão militar na Galiza. Outro, Luís de Azevedo, morreu às mãos dos malhados quando se dirigia para Lisboa ao encontro do Rei D. Miguel.

António Telmo há-de ser o último da ilustre família Cunhas e Montenegros, que, durante séculos, governou a Casa Grande. A Quinta da Senhora do Amparo (outro nome por que era conhecida a Casa Grande) entrou em decadência. "A mata estava derrotada, os muros em terra. No solar, de soalhos rotos e vidraças escaqueiradas, chovia como na rua".

Filada pelos credores, a Quinta da Senhora do Amparo é penhorada à ordem do Tribunal da Comarca de Ponte Lima, no "Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus de mil oitocentos  e noventa e um".

A carta de arrematação para título e posse é passada a favor do arrematante e conselheiro Miguel Dantas, de Paredes de Coura. E quem é este novo dono da Casa Grande?

Miguel Dantas foi para o Brasil ainda rapaz. Esteve lá 10 anos. Passou fome. Vendeu cautelas (o jogo do bicho) nas ruas do Rio de Janeiro. Tempos andados, era caixeiro numa loja de retrosaria. Cinco anos depois, era sócio do patrão. Dali para diante, sucessivamente, foi corrector de pedras finas, comerciante no sertão, banqueiro. Ao tempo da guerra Brasil-Uruguai (1865-1870) terá negociado em armas. De uma hora para a outra, aos 34 anos, ficou milionário. Voltou para Portugal riquíssimo.

Miguel Dantas fez muito por Paredes de Coura. De aldeia desconhecida converteu-a numa vila. Edificou o Paço do Concelho, construiu hospitais e escolas e outros locais camarários. Afável e déspota: homem sem medo.

Anos mais tarde, Bernardino Machado, professor de Coimbra e ex-Presidente da República, casou com uma filha de Miguel Dantas, chamada Elzira, tendo vivido na Casa Grande, alguns anos após o seu regresso do exílio.

Uma filha de Bernardino Machado, Jerónima de seu nome, casou com Aquilino Ribeiro, em 2º casamento deste. Um dia, ao proceder-se ao restauro da Casa Grande, foi encontrada uma volumosa rima de papéis com a história dos Cunhas e Montenegros. que hão-de ser a base principal do livro.

A casa está, hoje, em ruínas. Todavia, é possível, pelo que se sabe, ver ainda a capela de Nossa Senhora do Amparo e uma belíssima gravura esculpida no no exterior do edifício.

Sabemos que Aquilino procedeu ainda a obras de restauro na década de 50, em particular na capela da Nossa Senhora do Amparo.

De tempos a tempos, nas peregrinações habituais de admiradores, é deixada em alguma das paredes mais uma placa alusiva à passagem do escritor pela Casa Grande e à obra literária que ele deixou com o mesmo nome.

Mas, verdadeiramente, a melhor homenagem que poderia ser prestada a este eminente cultor da Língua Portuguesa, seria mesmo o restauro completo do edifício.

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