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domingo, 21 de dezembro de 2014

Palavras-cruzadas com história (Mário de Sá-Carneiro)

"Ah que me metam entre cobertores" é o primeiro verso do poema "Caranguejola" do poeta português Mário de Sá-Carneiro, que era pedido com a resolução do problema de Palavras-Cruzadas deste mês. O poema reza assim:

Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!...

Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho – que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor –
Plo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo –
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Coa breca! levem-me prá enfermaria! –
Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará..

Justo. Um quarto de hospital, higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.


Paris, Novembro de 1915.

Mário Sá-Carneiro enviou este poema ao seu amigo Fernando Pessoa, numa carta datada de 27 de Novembro de 1915, justificando assim o título e o conteúdo:  «Dou-lhe este título porque o estado psicológico de que essa poesia é síntese afigura-se-me em verdade uma verdadeira caranguejola — qualquer coisa a desconjuntar-se, impossível de se manter (...). Aquilo é desarticulado, quebrado - o próprio pseudo-verso desconjuntado, não se mantendo, em suma: uma verdadeira caranguejola na forma como no sentido». 

Este poema é um dos chamados "Últimos Poemas" e, nele, o poeta recusa veementemente qualquer relação humana, num desejo de fuga, não só à vida e seus problemas, mas também ao apelo da alma. Um claro prenúncio do desfecho fatal, anunciado mais que uma vez...daqui até à loucura será uma viagem vertiginosa.
  
E esta é a solução completa do passatempo de Palavras-Cruzadas do mês de Dezembro:


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Recebi respostas de: Aleme, Anjerod, António Amaro, Antoques, Arnaldo Sarmento, Bábita Marçal, Baby, Caba, Carlos Costeira, El-Nunes, Elvira Silva, Filomena Alves, Horácio, Jani, João Rodrigues, Joaquim Pombo, José Bernardo, Mafirevi, Magno, Manuel Amaro, Manuel Carrancha, Manuel Ramos, Mister Miguel, Olidino, Osair Kiesling, Paulo Freixinho, Ricardo Campos, Russo, Salete Saraiva e Virgílio Atalaya.

Um agradecimento especial à Profª Filomena Alves que foi a amiga que me sugeriu o verso a decifrar para este passatempo, em homenagem a Mário de Sá-Carneiro, um dos poetas mais originais da Literatura Portuguesa.

Festas Felizes para todos!

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