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sexta-feira, 6 de março de 2015

Ruy Belo & Nuno Júdice - Diálogos Poéticos


"Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros", escreveu o poeta Ruy Belo, neste belo poema:

Algumas Proposições com Pássaros e Árvores

Os pássaros nascem na ponta das árvores 
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros 
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores 
Os pássaros começam onde as árvores acabam 
Os pássaros fazem cantar as árvores 
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se 
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal 
Como pássaros poisam as folhas na terra 
quando o outono desce veladamente sobre os campos 
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores 
mas deixo essa forma de dizer ao romancista 
é complicada e não se dá bem na poesia 
não foi ainda isolada da filosofia 
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros 
Quem é que lá os pendura nos ramos? 
De quem é a mão a inúmera mão? 
Eu passo e muda-se-me o coração

Ruy Belo

A proximidade entre pássaros e árvores é tão grande que o poeta acaba por ver os pássaros como prolongamentos das árvores. E vendo os pássaros como as pessoas e as árvores como o amor, a interpretação parece ser semelhante: as pessoas nascem do amor. Muito bom!


Anos mais tarde, o poeta Nuno Júdice homenageia o seu confrade, escrevendo este poema, igualmente bonito:

Variações com Pássaros
E Versos de Ruy Belo


Eu queria olhar os pássaros
pelas proposições de ruy belo: vê-los
nos galhos das árvores, como frutos
De verão. E queria colhê-los,
como se cada asa fosse um verso,
para fazer este poema voar
“ com uma referência ao coração”.

Assim, poderia contar as pulsações
do poema como quem conta as sílabas;
e ver as palavras juntarem-se
como os pássaros do outono, varejando
com a “inúmera mão” do poeta
natureza e filosofia, folhas
e aves caindo da sua música.

E estenderia os olhos dos pássaros
nesta folha, abertos como a alma das árvores
no outono, para lhes roubar o amor
que os pássaros levam para lá do horizonte
para onde as nuvens os empurram. Contá-los-ia
pelos dedos de ruy belo, nessa forma
complicada que “não se dá bem na poesia”.

Depois, devolvo aos pássaros  os seus
olhos, e ao poeta os seus versos; mas guardo
o amor que sobrou sob os ramos das árvores
de onde os pássaros partiram, deixando vazio
o lugar em que os amantes se encontram,
vendo “que pássaros emanam das árvores”
quando o seu silêncio enche o campo.

E nestes pássaros de ruy belo também
“ eu passo e muda-se-me o coração”.

Nuno Júdice, in Geometria Variável

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