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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um caminho para regressar da morte


Conheço este poema do poeta Eugénio de Andrade há muito tempo e li-o muitas vezes. E já então me emocionava muito. E pensava “um dia, só não sei quando, estarei em completa comunhão com o poeta...”. Só não esperava que fosse tão breve. O poema chama-se “Pequena Elegia de Setembro”. O poeta fala-nos da morte de sua mãe, figura nuclear da sua obra poética. A mãe está já morta, mas o poeta (e eu) vê-a ainda sentada no jardim….

Pequena elegia de setembro

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia"

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