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terça-feira, 21 de junho de 2016

Devaneios cruzadísticos - Luís de Camões

"Junto de um seco, fero e estéril monte" é o verso de um poema, a célebre Canção IX, do poeta Luís de Camões, pedido com a resolução do passatempo do mês de Junho.

O nosso genial poeta, longe da pátria, escreveu este poema, onde recorda, com emoção e saudade, as figuras que amava e teve de abandonar.

Canção IX


Junto de um seco, fero e estéril monte,

inútil e despido, calvo, informe,

da natureza em tudo aborrecido,

onde nem ave voa, ou fera dorme,

nem rio claro corre, ou ferve fonte,

nem verde ramo faz doce ruído;

cujo nome, do vulgo introduzido,

é Félix, por antífrase, infelice;

o qual a Natureza

situou junto à parte

onde um braço de mar alto reparte

Abássia da arábica aspereza,

onde fundada já foi Berenice,

ficando à parte donde

o Sol que nele ferve se lhe esconde;

nele aparece o Cabo com que a costa

Africana, que vem do Austro correndo,

limite faz, Arómata chamado

(Arómata outro tempo; que, volvendo

os céus, a ruda língua mal composta

dos próprios outro nome lhe tem dado).

Aqui, no mar que quer apressurado

entrar pela garganta deste braço,

me trouxe um tempo e teve

minha fera ventura.

Aqui, nesta remota, áspera e dura

parte do mundo, quis que a vida breve

também de si deixasse um breve espaço,

por que ficasse a vida

pelo mundo em pedaços repartida.

Aqui me achei gastando uns tristes dias,

tristes, forçados, maus e solitários,

trabalhosos, de dor e de ira cheios,

não tendo tão-somente por contrários

a vida, o sal ardente e águas frias,

os ares grossos, férvidos e feios;

mas os meus pensamentos, que são meios

para enganar a própria Natureza,

também vi contra mi,

trazendo-me à memória

algũa já passada e breve glória,

que eu já no mundo vi, quando vivi,

por me dobrar dos males a aspereza,

por me mostrar que havia

no mundo muitas horas de alegria.

Aqui estive eu co estes pensamentos

gastando o tempo e a vida; os quais tão alto

me subiam nas asas que caía

— e vede se seria leve o salto! —

de sonhados e vãos contentamentos

em desesperação de ver um dia.

Aqui o imaginar se convertia

num súbito chorar e nuns suspiros,

que rompiam os ares.

Aqui, a alma cativa,

chagada toda, estava em carne viva,

de dores rodeada e de pesares,

desamparada e descoberta aos tiros

da soberba Fortuna:

soberba, inexorável e importuna.

Não tinha parte donde se deitasse,

nem esperança algũa onde a cabeça

um pouco reclinasse, por descanso.

Todo lhe é dor e causa que padeça,

mas que pereça não, por que passasse

o que quis o Destino nunca manso.

Oh! que este irado mar, gritando, amanso!

Estes ventos da voz importunados,

parece que se enfreiam!

Somente o Céu severo,

as Estrelas e o Fado sempre fero

com meu perpétuo dano se recreiam,

mostrando-se potentes e indignados

contra um corpo terreno,

bicho da terra vil e tão pequeno.

Se de tantos trabalhos só tirasse

saber inda por certo que algũa hora

lembrava a uns claros olhos que já vi;

e se esta triste voz, rompendo fora,

as orelhas angélicas tocasse

daquela em cujo riso já vivi;

a qual, tornada um pouco sobre si,

revolvendo na mente pressurosa

os tempos já passados

de meus doces errores,

de meus suaves males e furores,

por ela padecidos e buscados,

tornada — inda que tarde — piadosa,

um pouco lhe pesasse

e consigo por dura se julgasse;

isto só que soubesse, me seria

descanso para a vida que me fica;

co isto afagaria o sofrimento.

Ah! Senhora, Senhora, que tão rica

estais que, cá tão longe, de alegria

me sustentais cum doce fingimento!

Em vos afigurando o pensamento,

foge todo o trabalho e toda a pena.

Só com vossas lembranças

me acho seguro e forte

contra o rosto feroz da fera Morte,

e logo se me ajuntam esperanças

com que a fronte, tornada mais serena,

torna os tormentos graves

em saudades brandas e suaves.

Aqui co eles fico, perguntando

aos ventos amorosos, que respiram

da parte donde estais, por vós, Senhora;

às aves que ali voam, se vos viram,

que fazíeis, que estáveis praticando,

onde, como, com quem, que dia e que hora.

Ali a vida cansada, que melhora,

toma novos espritos, com que vença

a Fortuna e Trabalho,

só por tornar a ver-vos,

só por ir a servir-vos e querer-vos.

Diz-me o Tempo que a tudo dará talho;

mas o Desejo ardente, que detença

nunca sofreu, sem tento

me abre as chagas de novo ao sofrimento.

Assi vivo; e se alguém te perguntasse,

Canção, como não mouro,

podes-lhe responder que porque mouro.


Luís de Camões

Esta é a solução completa do problema:


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Respostas de: Aleme; Anjerod; António Amaro; Antoques; Arjacasa; Bábita; Baby; Caba; Corsário; El-Nunes; Elvira Silva; Filomena Alves; Fumega; Homotaganus; Horácio; Jani; João Alberto Bentes; João Carlos Rodrigues; João Nabais; Joaquim Pombo; José Bento; José Bernardo; José Mendes Grilo; Lurdes Polido; Mafirevi; Magno; Manuel Amaro; Manuel Carrancha; Manuel Ramos; Mister Miguel; Olidino; Osair Kiesling; Paulo Freixinho; Raquel Atalaya; Ricardo Campos; Rui Gazela; Russo; Salete Saraiva e Virgílio Atalaya.

Vemo-nos por aqui! Até Breve(Alegria)! 

3 comentários:

  1. Eis na lista dos solucionistas, felizmente cada vez mais longa, uma boa série de futuros novos charadistas...

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    1. Caro Grifo, grato pelo comentário. Não tenho a honra de o conhecer, mas, como tenho em mãos os "Ecos de Braga", vejo que é também charadista. Como sou novato nestas andanças, não me atrevo a tratá-lo por confrade. Muito me honraria a sua participação em passatempos futuros. Abraço.

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    2. Caro amigo Grifo, como já referi no comentário anterior, muito me honraria a sua participação nos passatempos de palavras-cruzadas publicadas sempre no primeiro dia do mês neste AlegriaBreve. Pode enviar, se estiver interessado, para algum dos endereços que vêm indicados ou, ainda, para a seguinte morada: Rua Dr. Francisco Ribeiro Spínola, Lote 72, 4ª, Massamá, 2745-872 QUELUZ. Abraço. Joaquim Boavida

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