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sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Em Teu Ventre - um hino à Mãe


A leitura de “Em teu Ventre”, último romance de José Luís Peixoto, escritor que eu venho acompanhando de perto desde “Cemitério de Pianos”, suscita-me algumas considerações breves.

O enquadramento histórico do romance é constituído pela história de Fátima, tendo, como pano de fundo, a multiplicidade de escritos existentes, uns dentro da apologética religiosa, outros na visão ateia. E aqui a minha primeira dúvida: como é possível escrever sobre Fátima sem cair na repetição do "já dito", do "já sabido", do "já conhecido"? Como conseguir escrever, dentro de uma exigência estética, a biografia dos Pastorinhos e a manifestação sagrada das Aparições? 

O autor solucionou (parece-me) estas questões optando, de um modo original: primeiro, por não ceder à facilidade do realismo; segundo, por adoptar um equilíbrio, a todos os títulos de louvar, respeitando as Aparições sem as envolver no dilema maniqueísta entre verdade e falsidade.

A narrativa desenvolve-se como se de um filme se tratasse. O romance apresenta-se assim como uma fita cinematográfica, na qual as imagens avulsas da vida de Lúcia e da sua família e os acontecimentos principais se vão sucedendo, descritos liricamente, criando a ilusão de que é absolutamente possível acreditar. 

Estamos perante um narrador clássico, um narrador múltiplo segundo as perspectivas de cada uma das personagens, Deus, Lúcia e Maria. Deus é um narrador sentencioso; Lúcia uma narradora inocente (fala com animais e objectos); Maria uma narradora múltipla (há pelo menos três figurações diferentes de Maria) emotiva e sofrida, exemplo paradigmático da Mulher-Mãe.

Em relação ao estilo, podemos dizer, sem dúvida alguma, que é lírico, como, aliás, já nos habituou o autor em romances anteriores. O autor é perito em cultivar uma sensualidade emotiva, que desperta em quem o lê uma comoção estética. 

O tempo da narrativa é o ano de 1917. O espaço é a Serra d´Aires, Fátima, a casa e a aldeia de Lúcia.  O autor consegue, apesar deste condicionalismo, elevar a sua escrita a uma forma de expressão universal. Tanto se está em casa de Lúcia, com a panela do almoço ao lume, como se reflecte, sobretudo nos versículos sentenciais de Deus, sobre a criação do mundo, o destino, a liberdade e a angústia humana.

O romance é um hino à mãe. É, sem dúvida, a grande personagem de “Em Teu Ventre”. A mãe de Lúcia, símbolo da mulher portuguesa sofredora, resignada, protectora da filha e socorro da família, não se amotina, não se revolta, nem quando o marido a procura noite dentro. Protesta angustiosamente: contra Lúcia, pensando que esta mente; contra o destino que assim a fez mulher como um ser humano de segunda categoria; contra a fatalidade que a marcou como mãe de uma vidente.

Belíssimo romance. E o melhor elogio que se pode fazer é este: o leitor (pelo menos comigo aconteceu) não fica a saber se o autor acredita ou não nas Aparições de Fátima. Se calhar porque este livro não é apenas sobre as Aparições. É sobre as Mães, a nossas mães, a mãe do autor, a mãe de Jesus Cristo.

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